A observação do céu sempre fez parte de culturas antigas, e claro que com os índios brasileiros isso não poderia ser diferente.
Assim como ocorre com a Astronomia ocidental, a Astronomia indígena também é muito extensa (e até mais complexa), afinal, estamos falando de várias etnias e culturas diferentes, e por isso, não teria como resumir tudo em um único artigo, por isso, nós do Galeria do Meteorito decidimos fazer uma série. Clique aqui para encontrar o índice e o link dos novos episódios.
Nesse décimo-primeiro episódio vamos conhecer a maneira que os índios vêem a Lua, e como ela é importante na cultura indígena brasileira.
Lua
Povo: Tupi-Guarani Povo: Tembé-Tenetehara Povo: Bororo
Jaci Zahy Ári
Para os índios Tupi-Guarani, a Lua é chamada de Jaci, deusa da noite, e teria sido criada por Tupã (deus dos trovões). Já para os índios Tembé-Tenetehara e Bororo, a Lua é vista como masculino, pelos nomes Zahy e Ári, respectivamente. Para todos os índios, a Lua é responsável pela contagem dos meses. O mês dos índios começa logo após a Lua Nova, quando o primeiro filete de Lua Crescente se apresenta após o pôr-do-Sol. De acordo com o grande astrônomo brasileiro Ronaldo R. F. Mourão, "o ciclo lunar corresponde a 29 dias e meio, denominado evolução sinódica ou lunação".
A Lua também indica os dias ideais para pesca, plantio, caça, etc... Entre a Lua Cheia e a Lua Nova está a melhor época para pesca, caça e plantio. Já entre a Lua Nova e a Lua Cheia, os animais ficam muito agitados, pois a cada dia as noites se tornam cada vez mais claras. A Lua também indica as marés, e assim, os índios sabem a melhor hora para pescas em alto mar, por exemplo.
Quando o mês dos índios se inicia, com o primeiro filete clareado após a Lua Nova (à oeste), é comum avistarmos o planeta Vênus, conhecido por nós como Estrela Vesper, e pelos índios como Zahy Imiriko (mulher da Lua). Já quando o planeta Vênus é visto pela manhã, pouco antes do nascer do Sol à leste, para nós ela é popularmente conhecida como Estrela D'Alva, e para os índios como Zahy-Tata-Hu (estrela que anuncia o Sol).
O Mito de Zahy (Tembé-Tenetehara)
A maioria dos mitos foram criados para ajudar os homens a identificar os objetos celestes e passar o conhecimento de geração à geração, servindo como método mnemônico, a fim de repassar condutas morais e sociais para as gerações futuras. O mito da Lua contado pelos índios Tembé (da família Tupi-Guarani) explica porque a Lua existe e o porquê de suas crateras/manchas na superfície.
Mas o menino Zahy logo cedo quebrou seu destino de honrar o pai, e as leis da tribo. Quando jovem, o menino desejou uma mulher proibída: sua tia. Seu pai, o cacique, já havia determinado o destino de sua irmã (tia de Zahy) para outro rapaz, mas mesmo assim Zahy não controlou seu amor. Sempre que a noite chegava, o índio Zahy entrava no quarto de sua tia para passar a noite com ela. A tia, inconformada com a situação e sem saber quem era o intruso, pediu conselhos para a índia mais velha da tribo, e então, fez uma armadilha para descobrir quem era o intruso que se aproximava todas as noites. Por isso, preparou uma tigela de jenipapo, que com urucum é usado para pinturas corporais.
Caindo na armadilha da tia, Zahy correu para o rio e foi tentar tirar o jenipapo que manchou seu rosto, a fim de não ser descoberto. Foi então que os deuses, a tia e a velha índia descobriram quem era o intruso. Zahy trouxe vergonha para seu pai, e por isso se exilou no céu, que era o lugar mais distante conhecido.
Créditos: blog aikewara
Até hoje, para tentar tirar as manchas de seu rosto, o menino Zahy (Lua) desce no rio todos os meses na Lua Nova para lavar seu rosto. Quando se torna Cheia, ele percebe que suas manchas não desapareceram, e numa tentativa de limpar o rosto, faz chover para tentar tirar suas manchas (na Amazônia é comum chuvas rápidas durante as noites de Lua Cheia), e depois, desce novamente e se esconde, que é quando o ciclo se repete.
Os índios acreditam que Zahy favorece o crescimento das crianças, das plantas e dos animais domésticos. Existe ainda o ritual chamado de Encarcamento, que é quando os mais velhos costumam apresentar seus filhos para Zahy no primeiro dia de Lua Cheia, apertando suas articulações e cantando para que ele abençoe as crianças a as façam crescer fortes e saudáveis. As mulheres mostram suas tapiocas para Zahy pedindo que a mandioca cresça saborosa. As árvores menores são sacudidas pelo tronco para que deem frutos sadios e gostosos, e os animais jovens são levados para danças para que possam dar leite, carne e couro de qualidade para todos.
Os índios possuem uma ligação muito forte com a Lua. O mito (africano) do Saci Pererê, por exemplo, é na verdade uma versão do mito original do Jaci Jaterê (dos índios brasileiros). Para os guaranis, Jaci Jaterê significa literalmente "Fragmento da Lua", e seria uma espécie de protetor das matas.
Gostou? Confira nossa lista de episódios, afinal seria impossível resumir toda a astronomia indígena em apenas uma matéria... Boa leitura!
Fonte: Cuabamorandu / Germano Bruno Afonso / Observatórios Virtuais / Vitae / Melissa Oliveira (antropóloga) / Aikewara.blogspot / ISSUU / Planetário UFSC (etnoastronomia) / pib.socioambiental.org / Osvaldo dos Santos Barro / Universidade Federal do Pará / Aldeia Teko Haw / Flavia Pedroza Lima / Planetário do Rio de Janeiro / Diones Charles Costa de Araújo (DF) / Melissa Oliveira (antropóloga) / blog aikewára
LIMA, Flavia P. (2004), Observações e descrições astronômicas de indígenas brasileiros - A visão dos missionários, colonizadores, viajantes e naturalistas. Dissertação de Mestrado em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia. Rio de Janeiro: COPPE/UFRJ.
LIMA, F. P. e Moreira, I. C. (2005), “Tradições astronômicas tupinambás na visão de Claude d’Abbeville”, Revista da SBHC, 3, 4-19.
LIMA, Flavia P. (2012), “A Astronomia Cultural nas Fontes Etno-Históricas: A Astronomia Bororo” in I Simpósio Nacional de Educação em Astronomia, Rio de Janeiro, Atas do I SNEA, 1, São Paulo: SAB.
24/04/15
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ResponderExcluirObrigado fora do ar. Seus comentários são sempre bastante pertinentes e enriquecedores. Um grande abraço! A humanidade preciosa, cada vez mais, atentar para o que mais importa: a vida, de todas as formas e em todos os sentidos. Um grande abraço!
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