Mistério do céu vermelho sangrento da China foi finalmente explicado

mistério dos céus avermelhados
Mais de 300 anos se passaram até que um dedicado historiador e astrônomo conseguiu compreender o fenômeno bizarro


Em 10 de setembro de 1770, os céus da China, Coréia e Japão tornaram-se vermelhos por mais de oito noites consecutivas. Na época, isso foi motivo de preocupação e ninguém entendeu como aquilo era possível, afinal de contas, como o céu se torna vermelho quase como o sangue?

Por quase três séculos, este misterioso evento permaneceu perdido na história, mas agora, pesquisadores que vasculhavam antigos documentos no Leste Asiático redescobriram esse estranho fenômeno, e propuseram uma causa provável: uma poderosa tempestade geomagnética que teria sido tão forte e poderosa quanto aquela que originou o famoso evento de Carrington de 1859.



Para simplificar, tempestades geomagnéticas são fenômenos naturais, que ocorrem quando as erupções solares atingem a magnetosfera da Terra (saiba mais sobre as tempestades geomagnéticas clicando aqui). Mas a grande preocupação é o fato desse fenômeno ter acontecido em 1859, e ao que tudo indica, também em 1770. Se uma tempestade solar dessa mesma magnitude atingir a Terra nos dias atuais, as redes elétricas ao redor de todo o globo sofreriam danos severos. Poderíamos voltar, ao menos por alguns dias, para a Idade das Trevas, segundo pesquisadores...

O estudo foi detalhado na revista Astrophysical Journal Letters.


Os céus sangrentos da Ásia

Hisashi Hayakawa, historiador e astrônomo da Universidade de Osaka no Japão, e seus colegas, investigaram registros históricos da China, Coréia e Japão que datavam a partir do século 18, a fim de encontrar menções de auroras - eventos gerados quando partículas carregadas do Sol atingem a magnetosfera da Terra. Geralmente elas são visíveis próximas dos polos magnéticos do planeta, mas quando as tempestades geomagnéticas são realmente severas elas podem ocorrer até mesmo em regiões distantes dos polos norte e sul.




"Esses documentos históricos podem nos permitir rastrear a atividade solar por milênios", disse Hayakawa. "Por exemplo, registros de auroras podem ser encontrados em diários astronômicos da Babilônia a partir de 567 aC."

Auroras vermelhas registradas em Hillside Residence Anchorage, no Alasca,em fevereiro de 2002
Auroras vermelhas registradas em Hillside Residence Anchorage, no Alasca, em fevereiro de 2002.
Créditos: Alamy

A equipe também examinou desenhos de manchas solares do mesmo período, que foram criados pelo astrônomo amador da Alemanha, Johann Caspar Staudacher, além de registros das missões do Capitão James Cook do HMS Endeavor.

Depois de estudar 111 documentos históricos, os cientistas descobriram evidências de auroras vermelhas vistas em todo o Leste Asiático de 10 a 19 de setembro de 1770. Essas auroras duradouras foram observadas em baixas latitudes, sugerindo que uma poderosa tempestade geomagnética teria sido a causa do estranho fenômeno.




Os pesquisadores também descobriram que estas auroras foram documentadas mais ao sul por membros da tripulação a bordo do HMS Endeavor, perto da Ilha de Timor, no Sudeste Asiático. Essas descobertas estão entre os primeiros registros conhecidos de observações aurorais simultâneas em ambos os hemisférios.

"Considerando que este evento foi tão grande, seria razoável encontrar mais eventos não só no Leste Asiático, mas também em outras áreas de baixa latitude", disse Hayakawa. Como resultado, a equipe está ampliando suas pesquisas para arquivos de áreas como Oriente Médio.

HMS Endeavour, por Samuel Atkins
HMS Endeavour, por Samuel Atkins (1794).
 Créditos: Samuel Atkins / Wikimedia Commons

A equipe também explorou registros históricos de desenhos de manchas solares, criados numa época onde a astrofotografia ainda não era uma realidade. Esses desenhos sugeriram que as manchas solares durante o evento de 1770 eram duas vezes maiores que as vistas durante o Evento de Carrington, sugerindo que elas eram pelo menos comparáveis ​​em força. Durante o notório evento de Carrington, as correntes elétricas da atmosfera queimaram fios de telégrafos e fez até mesmo os papéis desses equipamentos pegarem fogo.

A pesquisa sugeriu que o evento de 1770 afetou mais regiões do que o evento de Carrington, e suas auroras foram vistas por 9 noites seguidas, enquanto no evento de Carrington elas tomaram os céus por apenas 4 noites. "Os eventos em 1770 duraram muito mais tempo", disse Hayakawa.




Como resultado, os cientistas acreditam que a frequência com que as tempestades solares extremas ocorrem deve ser repensada. "Agora sabemos que o evento de Carrington não foi o único registrado", disse o co-autor do estudo, Hiroaki Isobe, físico solar da Universidade de Kyoto, no Japão. "Esse evento ocorre de tempos em tempos, cerca de uma vez a cada 100 anos".


Um evento catastrófico

Desde o evento de Carrington, a sociedade se tornou extremamente dependente da eletricidade. Se uma tempestade geomagnética extrema ocorresse nos dias de hoje, os danos seriam sem precedentes.

Por exemplo, em 1989, uma tempestade geomagnética fez a cidade de Quebec, no Canadá, ficar no escuro após 90 segundos de sua ocorrência, deixando mais de 6 milhões de pessoas sem energia por 9 horas, destruindo transformadores e derrubando redes de energia até mesmo nos EUA. Parece assustador? Pois acredite: o evento de Quebec teve apenas um décimo do poder do evento de Carrington, de acordo com especialistas.

Tempestade geomagnética - tempestade solar nos dias atuais
Ilustração artística mostra alguns dos danos que seriam causados se uma tempestade solar atingir a Terra nos dias atuais.
Créditos: divulgação

Um estudo feito em 2013 pela seguradora britânica Lloyd's, estimou um custo de US $ 2,6 trilhões para a América do Norte se uma tempestade do nível de Carrington acontecesse agora, e disseram que "uma tempestade geomagnética extrema no nível de Carrington é quase inevitável para o futuro."

"Nós acreditamos que precisamos nos preparar para ainda mais impactos econômicos e sociais para esse tipo de tempestade geomagnética extrema", disse Hayakawa.




Os pesquisadores estão agora à procura de outros exemplos históricos de fortes tempestades geomagnéticas. "Já encontramos outro evento do mesmo nível de 1770", disse Hayakawa.


Imagens: (capa-Alamy/divulgação) / Alamy / Samuel Atkins / Wikimedia Commons / divulgação
20/12/17


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